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Zanon, A. (2020). O princípio da alteridade de lévinas como fundamento para a responsabilidade ética. Perseitas, 8. pp. 75-103.
DOI: https://doi.org/10.21501/23461780.3489
O princípio da alteridade de Lévinas como fundamento para a responsabilidade ética
El principio de la alteridad de Lévinas como fundamento para la responsabilidad ética
The principle of la alterity of Lévinas as the foundation for ethical responsibilit
Artículo de reflexión no derivado de investigación
DOI: https://doi.org/10.21501/23461780.3489
Recibido: 28 de febrero de 2019 / Aceptado: 23 de octubre de2019 /Publicado: 10 de diciembre 2019
Andrei Zanon, c.s
Resumo
O projeto filosófico de Emmanuel Lévinas é considerado um dos mais relevantes na contemporaneidade discorrendo sobre a perspectiva da ética da alteridade. Notamos que a proposta levinasi|1ana é uma tentativa de sair do ser, olhando e dando importância ao outro, superando assim uma filosofia do poder, da totalidade. A alteridade apresentada por esse autor é sempre relação ética do outro comigo, aonde o “eu” é responsável pelo cuidado do outro, ultrapassando a barreira do egoísmo, isso o chamamos de uma ação ética responsável pelo cuidado de outro, não podendo gerar violência alguma. O outro é sempre epifania. Assim sendo, a ética é uma forma interpelativa para o outro que nos chama a responsabilidade, ao cuidado. Nesse caminho, nós daremos conta que a ética levinasiana é de um agir responsável pelo rosto do outro que se apresenta a mim, e eu devo protegê-lo contra todo tipo de exclusão e violência. Alteridade e ética saram possíveis somente em relação com o outro. Por isso, pretendemos ressaltar nesse estudo a importância de superar uma filosofia ocidental centrada apenas no ser, mostrando que somos responsáveis pelo rosto do outro que se apresenta a nós, muitas vezes violentado.
Palavras – chave
Alteridade; Outro; Rosto; Ética; Responsabilidade.
Resumen
El proyecto filosófico de Emmanuel Lévinas es considerado uno de los más relevantes en el discurso contemporáneo sobre la perspectiva de la ética de la alteridad. Notamos que la propuesta levinasiana es un intento de salir del ser, enfocando y dando importancia al otro, superando así una filosofía de poder y de totalidad. La alteridad presentada por el autor es siempre la relación entre la ética del otro conmigo, en donde el “yo” es responsable del cuidado del otro, superando la barrera del egoísmo, esto es considerada una acción ética responsable al cuidado del otro, y no puede generar ningún tipo de violencia. El otro es siempre la epifanía. Por lo tanto, la ética es la interpelación con el otro que nos llama a la responsabilidad y al cuidado. De esta manera, notamos la ética levinasiana como el actuar responsablemente frente al otro, y debo protegerlo contra todo tipo de exclusión y violencia. La alteridad y la ética solo serán posibles en relación con el otro. En este estudio, se debe enfatizar en la importancia de superar una filosofía occidental centrada solo en el ser, demostrando que somos responsables por el rostro del otro que se nos presenta, a menudo violentado.
Palabras clave
Alteridad; Otro; Rostro; Ética; Responsabilidad.
Abstract
Emmanuel Lévinas’ philosophical project is considered one of the most relevant contemporary discourse on the perspective of the alterity of ethics. We note that the Levinasian proposal is an attempt to get out of being, focusing and giving importance to others, overcoming a philosophy of power and totality. The alterity presented by the author is always the ethical relationship between other and me, where I am responsible to care each other, overcoming the selfishness, they call “ethical action”, and cannot generate any type of violence. The other one is always the epiphany. Therefore, ethics is the interpellation with the other that invite us to care and have responsibility. In this way, we notice that the Levinasian ethic is to act responsibly in front of what is presented to me, and act against all kinds of exclusion and violence. The alterity and ethics are only possible if exist a relation to each other. In this study, we must try to emphasize in this study the importance of overcoming an occidental philosophy centered only on the being, proving that we are responsible for the face of the other that is presented to us, often violated.
Keywords
Otherness; Other; Face; Ethics; Responsibility.
“O outro é a bondade do bem. É olhar, é palavra.
O bem é gratuidade sem finalidades e sem fim”
Emmanuel Lévinas
Introdução
O presente trabalho tem como pretensão versar acerca do pensamento filosófico de Emmanuel Lévinas, mais especificamente, busca instigar uma reflexão sobre um novo modo de pensar. A filosofia do pensador francês ultrapassa as barreiras dos conceitos e das abstrações postulados no ocidente. Ela está cunhada na sabedoria do amor que se concretiza pelo respeito, pela justiça, pela fraternidade e pela responsabilidade ética com o outro. A filosofia ocidental se preocupou apenas com a questão do ser, o que proporcionou a negação do outro e legitimou os regimes totalitários, tendo como consequências, as mais brutais e absurdas formas de violências, como as guerras e o extermínio de milhares de pessoas nos campos de concentração.
A filosofia de Lévinas não está vinculada especificamente a um determinado aspecto temático e hermético, mas dialoga com diversos temas de caráter filosófico. Pensar o outro segundo Lévinas, é algo que vai além de qualquer atributo, é uma maneira de pensar a relação com o próximo pelo qual somos responsáveis para com o outro. Ele apresenta um novo humanismo que, pelo estatuto ético, proporciona a inter-relação humana e intersubjetiva. A grande novidade proclamada por este filósofo lituano – francês é um pensamento que tem seu ápice na promoção da defesa da vida, abolindo assim com a proliferação da violência e morte do outro homem. Portanto, evidenciaremos que o novo humanismo é constituído, é categoricamente marcado pela prática do amor, da justiça, da fraternidade e responsabilidade pelo outro.
A partir da nossa pesquisa e reflexão, podemos inferir que o pensamento levinasiano não apresenta uma peculiar e única via para constituir e solidificar uma nova humanidade, porém, sua concepção filosófica que trata da ética da alteridade pode contribuir significativamente para o processo de humanização de um novo homem no mundo e na sociedade atual.
Emmanuel Lévinas dentro do campo filosófico apresenta-nos uma ousada e colossal novidade acerca da alteridade ética, o cuidado, o respeito e a responsabilidade para com o outro. Sua proposta evidencia uma tentativa de sair do ser, rompendo com o círculo tradicional da filosofia clássica que não pensa e nem concebe o outro enquanto relação. A alteridade não é entendida só pela minha razão, ela acontece a partir do outro. Se a ética parte da ontologia, então esta ética é uma ética do poder, do interesse, da opressão e do domínio. Assim, a filosofia ocidental parece não ser uma filosofia da alteridade porque exclui e nega o outro em sua totalidade.
O pensamento levinasiano não hesita face às desafiadoras e conflitantes realidades sociais, políticas, religiosas, econômicas, culturais e étnicas marcadas tenazmente pela ausência de uma ética como responsabilidade. Neste empreendimento, percebemos que abordar acerca da ética da alteridade como responsabilidade implica numa difícil tarefa. Porém, o pensador a ser estudado mostra-nos que é possível construir um estatuto ético pautado na relação ética caracterizado pela defesa e promoção da vida. Somos responsáveis pelo outro. Isso implica que não podemos excluir o outro que está exposto em sua nudez frente à violência, a dor, a fome, a morte e o extermínio produzidos pela ganância exacerbada do ter e do poder.
No andamento da nossa investigação, procuraremos responder se é possível promover, por meio da alteridade levinasiana, uma ética do cuidado numa sociedade pluralista e individualista. Consideramos assim que a epifania do rosto não é algo descritivo ou meramente fenomenológico, mas a epifania é a mais radical alteridade como princípio ético. A alteridade aqui a ser explanada, implica, antes de tudo, subsumir a ética no que se refere o próprio pensar e agir. Sendo assim, consideraremos a ética como filosofia primeira, passando a ser uma alteridade.
Com estas considerações iniciais, prosseguiremos em um primeiro momento descrever o que estamos entendendo por alteridade no pensamento de Lévinas. Em um segundo momento, abordaremos referente a epifania do rosto, para assim passar ao terceiro momento, aonde avançaremos com as explicações referente a alteridade como estatuto ético. Um quarto ponto surge na necessidade de explicar a relação entre a alteridade e a ética levinasiana, elementos estes centrais de nosso estudo e, por fim, evidenciaremos o aporte de Lévinas em assentar a ética como responsabilidade com o outro.
Alteridade levinasiana
O pensamento de Emmanuel Lévinas é inserido de forma singular mediante as inúmeras arquitetônicas correntes filosóficas postuladas na contemporaneidade. Seu pensamento e projeto filosófico emanam com o objetivo de instaurar um novo humanismo. Dessa maneira, o autor inaugura uma relevante dimensão no que tange o pensamento filosófico. O que existe de mais importante e, sobretudo inovador no pensamento levinasiano, é o seu aspecto ético, interpelação ética do outro que se revela em sua alteridade e que proporciona a compreensão da relação interpessoal, inter-humana.
A noção primordial desse novo humanismo apontado por Lévinas, denominado como humanismo do outro homem, é caracterizado pelos valores éticos da solidariedade e da responsabilidade que perpassam toda a relação intersubjetiva, interpessoal e inter-humana. Abordar sobre alteridade implica antes de todo e de qualquer discurso, subsumir a ética no próprio pensar e agir. A relação com o outro se efetiva na forma de bondade, tendo sua concretude na ilimitada ação humana pautada nos princípios mais nobres e eloquentes que dignificam o Outro.
O inter-humano está também na providência de uns em socorro com os outros, antes que a alteridade prestigiosa de outrem venha banalizar-se ou ofuscar-se num simples intercâmbio de bons comportamentos que se terão como ‘comércio interpessoal’ nos costumes (...). É na perspectiva inter-humana de minha responsabilidade pelo outro homem, sem preocupação com reciprocidade, é no meu apelo e socorro gratuito, é na assimetria da relação de um ao outro (Lévinas, 2005, pp. 141-142).
A sociedade vigente está impregnada por uma colossal e total individualização que não permite que as pessoas sejam respeitadas em suas singularidades e em sua dignidade enquanto seres humanos, não são vistas como pessoas, mas como algo descartável e sem valor. Podemo-nos perguntar quem é esse outro na nossa sociedade atual? Enrique Dussel vai nos dizer que o Outro é o povo oprimido, sofrido, sem voz e sem vez na sociedade, é o povo indígena, é o povo cansado, ferido, violado em seus direitos sociais e humanos, é o camponês, é o sem-terra, é o marginalizado nas grandes periferias e centros urbanos sem perspectiva de vida (1995, p. 18).
Com o anterior, podemos dizer que o encontro pressupõe a ausência de pretensões, do contrário estaríamos fazendo uma espécie de totalização, ou seja, reduzindo o ser somente ao eu, não possibilitando a abertura para o outro. Tudo que existe é processo da consciência em si mesma. É a totalização do outro ao eu. O eu sente uma profícua necessidade de encontro com o outro.
Segundo Lévinas, no que tange o momento vigente, a filosofia ocidental em tempo algum tratou da questão alusiva ao Outro. Esta foi na maioria das vezes considerada mais precisamente como uma ontologia, ou seja, uma cabal redução do Outro ao Mesmo. Aclara o autor:
A ontologia como filosofia primeira é uma filosofia do poder. (...) A ontologia torna-se ontologia da natureza, impessoal fecundidade, mãe generosa sem rosto, matriz dos seres particulares, matéria inesgotável das coisas. Filosofia do poder, a ontologia, como Filosofia primeira que não põe em questão o Mesmo. É uma Filosofia da injustiça (Lévinas, 1980, pp. 33-34).
Em conformidade com o pensamento levinasiano, a filosofia apresenta-se como uma manifestação excludente do outro e deixa evidente uma recusa de aliciamento do Outro. Neste sentido, “o ser exime-se de sua alteridade” (Lévinas, 1993, p. 43).
Segundo a terminologia levinasiana, a ideia de alteridade é definida e compreendida mediante “uma relação com uma alteridade total, irredutível à interioridade e que, no entanto, não violenta a interioridade; uma receptividade sem passividade, uma relação entre libertos” (Lévinas, 1980, p. 189). O conceito de alteridade não se apresenta como forma de violentar a interioridade, porém o modo da ideia do infinito assola esta mesma interioridade e assola também a consciência. Afirma Lévinas que “a não constituição cartesiana do infinito deixa uma porta aberta” (Lévinas, 1980, p. 189). A consciência é colocada em questão e todo questionamento da consciência vem do externo, vem de outrem.
A epifania do rosto segundo lévinas
Para discorrermos e aprofundarmos nossa análise acerca da compreensão da alteridade levinasiana, é pertinente avançarmos na concepção de rosto, pois segundo nosso pensador, é mediante o rosto que se efetiva verdadeiramente a relação com o outro. Sendo assim, podemos destacar:
O Outro, ou o rosto do Outro, não é Deus, mas no rosto se manifesta Deus. O outro se chama rosto, porque ele é uma presença vivant, porque ele desfaz a todo instante a forma com que ele se oferece, porque ele é presente. (...). O rosto é expressão por excelência. Seria como antes de abrir a boca, ou mesmo antes de emitir um som, o rosto, (...) “formula a primeira palavra: o significante sugerindo a ponte de seu signo, como os olhos que vão olhando”. (...). O rosto, inegável proximidade do Outro que propriamente fala e não me olha, mas de repente “me olha” (Grzibowski, 2010, pp. 76-84).
A expressão “me olha” refere-se a uma atitude ética, é um imperativo do outro enquanto rosto que exige justiça e acolhimento. O rosto obriga a não agir com indiferença e a exercer uma responsabilidade infinita e intransferível porque esta parte sempre do outro, exige e suplica. “Assim que, o rosto faz passar o outro antes do mesmo, antes de qualquer ação” (Grzibowski, 2010, p. 86).
A manifestação do rosto abre-nos para a humanização do homem, conforme explicita o pensador em estudo na sua obra escrita em 1980, Totalidade e Infinito, escreve:
A epifania do rosto como rosto abre a humanidade. O rosto na sua nudez de rosto apresenta-me a penúria do pobre e do estrangeiro; mas essa pobreza e esse exílio que apelam para os meus poderes visam-me, não se entregam a tais poderes como dados, permanecem expressão de rosto. O pobre, o estrangeiro, apresenta-se como igual. A sua igualdade na pobreza essencial consiste em referir-se ao terceiro, assim presente no encontro e que, dentro da sua miséria. (...). A presença do rosto – o infinito do Outro – é indigência, presença do terceiro (isto é, de toda a humanidade que nos observa) e ordem que ordena que mande. (...). Toda a relação social, como uma derivada, remonta à apresentação do Outro ao Mesmo, sem qualquer intermédio de imagem ou de sinal, unicamente pela expressão do rosto (Lévinas, 1980, pp. 190-191).
O autor aborda que no acolhimento do rosto instaura-se a igualdade. “A presença do rosto que vem além do mundo, mas que me empenha na fraternidade humana, não me esmaga como uma essência luminosa, que faz tremer e se faz temer” (Lévinas, 1980, p. 192). Sendo assim, compreende-se a partir de Lévinas que a relação de alteridade não é de modo algum passada pelo crivo conceitual, espacial ou até mesmo temporal, mas é uma epifania onde o rosto se apresenta completamente exposto em sua nudez, totalmente desprotegido (Melo, 2003, p. 88).
O rosto é além do aspecto físico e carnal, ele é expressão, interioridade, é comunicação e fala por si, não necessita de apêndices para ser e para se manifestar. É o rosto que dá significado a ética da alteridade. O rosto pode ser assim concebido como uma maneira ou “modo de ser do sujeito, é manifestação do desejo, é diálogo, é significação, é protótipo de um humanismo libertador que tem no outro a sua libertação” (Melo, 2003, pp. 89-90).
Dessa forma, Lévinas afirma “que o rosto é a própria identidade de um ser” (2005, p. 59). E continua afirmando que o “rosto impõe-se sobre mim sem que eu possa permanecer surdo ao seu apelo, ou esquecê-lo, quer dizer, sem que possa cessar de ser responsável por sua miséria” (1993, p. 52). O fato do rosto voltar-se para mim significa sua própria nudez, seu despir-se. Não está vinculado ao biológico em si, e nem ligado a um sistema filosófico. “Ele é por si próprio e não por referência a um sistema” (Lévinas, 1980, p. 61). Não é o sistema quem define o rosto. Na verdade, esta categoria empregada pelo filósofo francês, rompe com os sistemas filosóficos clássicos porque não concebem a ideia da existência do outro, ou seja, não existe nada fora dos sistemas pensados pela filosofia. Aqui é importante deixar claro que, desde a filosofia levinasiana, entre o eu e o outro não existe uma simetria, ou seja, não estão no mesmo plano face a face. O Outro, como aclara Susin, “não é o que eu sou: não é um alter ego, mas é um alter do ego. Sua originalidade não estará – para mim – na sua subjetividade e na interioridade, mas na alteridade como tal” (1984, p. 199).
O que nosso autor chama rosto está elucidado na seguinte afirmação: rosto “é precisamente a excepcional apresentação de si por si, sem paralelo com a apresentação de realidades simplesmente dadas, sempre suspeitas de algum logro, sempre possivelmente sonhadas” (Lévinas, 1980, p. 181). A epifania do rosto é de algum modo, uma palavra de honra. É o olhar quem ordena a sua própria manifestação, ou seja, a sua epifania. O rosto é a própria identidade de um ser. Ele se manifesta a partir dele mesmo, sem conceito.
Sendo assim, qual a importância do rosto na tese levinasiana? Fica explícito que o rosto é uma epifania de outrem que se efetiva na concretude da vida relacional e é detentor de uma abstração que não é integrada na esfera do mundo. O rosto é também metafísico. “O rosto é o que se mostra, o que fala e o seu silêncio também” (Melo, 2003, p. 91). O rosto é algo visível e concreto, mas é também inefabilidade, é algo que não passa pelo crivo da descrição. Para que o rosto se manifeste não é necessário que se faça fenomenologia. Não é a linguagem em si que garante o testemunho, mas é a expressão.
O rosto tem uma profunda importância no que compete a relação com o Outro. O rosto concebe em suas entranhas a presença da violência. A não violência por excelência citada por este autor francês evoca para a responsabilidade, legitimando que é possível cuidar do outro mesmo que este outro seja diferente e plural na sociedade. O filósofo argumenta que, o rosto “é uma presença viva, é expressão”. “O rosto fala” e enfatiza que a “manifestação do rosto é já um discurso” (Lévinas, 1980, p. 53). É, portanto, mediante o rosto que o outro me fala, pelo rosto o outro comunica à palavra que transmitida em discurso se apresenta e fala.
O rosto não tem proprietário. Ele não faz parte de sistemas totalizantes, e ainda, “o rosto recusa-se à posse, aos meus poderes. Na sua epifania, na sua expressão, o sensível ainda captável transmuda-se em resistência total à apreensão. (...) A expressão que o rosto introduz no mundo não desafia a fraqueza dos meus poderes, mas o meu poder de poder (Lévinas, 1980, p. 176).
Percebemos que o rosto está exposto em sua vulnerabilidade, em sua fragilidade, mas embora nesta sua exposição frágil e vulnerável percebe-se uma determinada atitude de violência, no entanto, notamos também que o rosto nos interdita de matar.
O Outro levinasiano impõe uma luta. Este reage diante do eu manifestando sua transcendência infinita. É pelo rosto que ele comunica sua primeira palavra enfatizando a expressão de que “Não matarás” (Lévinas, 1980, p. 178). Percebemos que, para Lévinas, o encontro com o Outro, como referência, se dá na proximidade, no face a face, sem distâncias, sem mediações, sem preconceitos. Damo-nos conta de que a distância isola, desconecta do mundo, me fecha no meu Eu, porque não possibilita o encontro, a aproximação, o diálogo. Gera egoísmo, divisão e individualismo.
Alteridade como estatuto ético
A alteridade do Outro descrita por Lévinas, é entendida como uma dimensão que está totalmente correspondente e vinculada a ética. Para este pensador, o Outro não é outro com uma alteridade pautada no relativismo, pois a alteridade não tem nenhuma dependência e nem tão pouco um cunho de reciprocidade referente a aspectos qualitativos, que de certo modo, o torna distinto do eu, pois esta forma distintiva anula a ideia de alteridade.
A relação da alteridade é uma relação intersubjetiva, onde acontece uma relação ética da alteridade. Assim podemos dizer que:
A relação de alteridade é já um estatuto ético, (...), a ética da alteridade se estrutura numa relação entre Eu, o Outro e o terceiro excluso (subjetividade). (...) Nesta relação interpessoal, o Outro não está sobre meu poder, Eu não posso comandar o Outro porque não é minha propriedade e nem um objeto. Ele é quem comanda, ele não é propriedade minha, mas o próximo, meu mestre, que me apela à máxima diferença de não matar; o próximo para o qual tiro da boca o único pedaço de pão para saciar a sua fome (Melo, 2003, p. 204).
Com o anterior descrito, podemos considerar que a alteridade é já uma responsabilidade ética, e esta como ética primordial tem como função acolher e aceitar o outro na sua infinitude, sem ao menos reduzi-lo ao simples conceito, a simples abstração ou ente no mundo. Sabe, no entanto, que ele se apresenta peculiarmente frágil e inofensivo, porém, por sua vez me impõe sua presença, seu olhar, sua súplica e sua exigência. Este mesmo olhar que revela a infinitude, e nesse auge me fala e a partir daí se estabelece uma relação. Portanto, o Eu tem que cuidar do Outro, da alteridade porque ele é o Bem. Assim compreendemos que o movimento da saída de si em direção ao outro faz com que a subjetividade se torne ‘unicidade’: torna-se única e insubstituível. “Somente outra pessoa pode arrancar o sujeito de si suscitando-o a sair de si por meio da sensibilidade e do desejo” (Oliveira, 2007, p. 24).
Constata-se que o pensamento de Lévinas é totalmente contra a toda e qualquer filosofia que visa objetivar a alteridade, no tocante ao Eu fundamentado apenas em teoria. Nesta perspectiva é clarividente que a relação não é portadora de responsabilidade. Não há nenhuma relação quando se tem posse e quando também se manipula o objeto, ou seja, assim não tem condições do outro manifestar-se.
Uma das responsabilidades mais importantes, é o desafio de respeitar o Outro o cuidar do outro, promove-lo em sua dignidade. Sendo assim, a subjetividade levinasiana não é pensada e nem dita, mas, é vivida nas relações. Essa mesma subjetividade é também doação na relação com o outro, ou seja, é respeitar o outro no seu modo de pensar e agir, valorizando o diferente.
A vida precisa ser cuidada e respeitada em todas as suas dimensões, pois ela não é somente transcendental, biológica, espiritual etc. A vida é relação com tudo o que existe no cosmos, por isso, precisa ser promovida a partir das nossas relações, desde uma ética do cuidado. Na relação face a face, entre o Eu e o Outro se estabelece à proximidade, cujo principal e primordial sentido é a responsabilidade e o cuidado do eu pelo Outro.
Da alteridade para a ética levinasiana
Nosso autor propõe a alteridade como ponto de partida para a construção da ética. A subjetividade é aqui considerada como pressuposto para a elaboração e efetivação da ética levinasiana, tendo em vista a individualidade do outro e suas diferenças. Notamos que a ética não é um mapa conceitual e nem mesmo um protótipo mesmificante, mas sobretudo, promoção da relação com o outro.
A alteridade nunca é englobada em um conceito, nunca termina em número ou cifras, mas está fora da objetivação, está fora dos meus alcances e poderes. O outro permanece infinitamente transcendente, infinitamente estrangeiro, mas seu rosto, onde produz sua epifania e que me chama, rompe com o mundo. Romper no sentido da natureza tentadora de dominar o outro, colocando-o numa ordem lógica (...), a linguagem ética será um fator importante para a filosofia (Grzibowski, 2010, p. 81).
A ética é entendida como forma interpelativa voltada para o outro. Desse modo, a alteridade é a característica que determina a relação ética com o outro. Entendemos que a ética é o fundamento norteador da experiência humana. Nesta perspectiva, esse preceito que podemos explicitar como ético é oriundo do primado do outro que alcança “o pobre, o órfão, a viúva e o estrangeiro” (Susin, 1984, p. 201), constituindo os modelos concretos de alteridade. A partir desta reflexão, percebemos o rosto de todos os indivíduos que não têm sua dignidade respeitada e valorizada de forma autêntica e íntegra. Lévinas quer de forma peculiar, promover a justiça ao outro.
A alteridade situa a ética como sendo filosofia primeira. Enaltece o clamor, o grito feito à subjetividade que se efetiva concretamente na relação com o outro. A alteridade enquanto relação é imensurável, é o que podemos chamar de limiar da transcendência. O ponto central da ética levinasiana passa a ser, sem sombra de dúvida, a subjetividade na perspectiva de acolhida, cuidado e responsabilidade e não na exploração, tentativa de posse, monopólio e controle do outro ou eliminação da alteridade.
Face as suas reflexões, tem feito o esforço para ir à gênese do que foi postulado pela filosofia ocidental que ao longo dos tempos negou severamente o outro, pautando-se somente na egologia, ou seja, no estudo do eu em si mesmo. Negar o outro na concepção levinasiana é um ato absurdo e abusivamente desumano. Toda a filosofia clássica é postulada no ser que sustenta o edifício da metafísica enquanto ontologia em si. Nesta perspectiva, não há a possibilidade e nem espaço para o outro, para a relação ética, ou seja, para a alteridade.
A ética tange comportamentos e atitudes de cuidado, zelo, respeito, justiça e equidade na relação com outro. Inferimos assim que a ética alicerça e constrói nas pessoas uma reta intenção no seu agir, e isso se dá de forma honesta, justa e adequada, o que não significa dizer que seja meramente cumprimento de deveres, normas e leis. A ética com base na alteridade incidi primordialmente na valorização do ser humano e isso se dá mediante o reconhecimento do outro que se manifesta – epifania, o que me aparece.
No livro Totalidade e Infinito versa o autor francês sobre o “primado da ética, isto é, da relação de homem a homem – significação, ensino e justiça (...) na qual se apoia todas as outras” (Lévinas, 1980, p. 65). De fato, a ética com o outro e a mesma não necessita ser dita, versada, dispensa e desonera qualquer discurso.
Configuramos que a concepção de ética para Lévinas (2005), está pautada na relação eu para com o outro, cuja definição do indivíduo ético é composta sempre pelo outro e nunca pelo eu. Esta reflexão leva-nos a entender que o eu é, sobretudo, presumido pelo outro e que a subjetividade oriunda-se fora do eu, pois o outro me tece como sujeito.
Nosso pensador descreve com propriedade que a “ética, é o humano, enquanto humano. (...) o único valor absoluto é a possibilidade humana de dar, em relação a si, prioridade ao outro” (Lévinas, 2005, pp. 149-150). Nota-se que o valor ético não se limita a algumas raças da humanidade, denominadas intelectuais, e que se apropriaram da literatura grega. Este valor não pode ser detido por uma porção da humanidade, ele é universal é também para os sem voz e sem vez de nossa sociedade.
Desse fora, é importante alargar nossa compreensão acerca dos valores humanistas e repensar as nossas formas de convivências e relações humanas na perspectiva de construirmos uma sociedade melhor, uma comunidade global solidificada no reconhecimento das diferenças e de maneira peculiar no respeito ao sentido ético do ser humano, e elevar de forma significativa a responsabilidade pelo outro como meio de garantir uma vida digna. É com o sentido da vida que Lévinas manifesta sua preocupação. Ele propõe um novo humanismo, quer resgatar a face do amor e da justiça, ou seja, quer reelaborar a subjetividade pela via do pensamento ético. Este pensamento se estabelece na relação inter-humana.
A ética levinasiana fundamentada na alteridade coloca o outro como ápice, mas isso se dá evidentemente no sentido relacional e não como instância última. Em consonância com o pensamento levinasiano, a ética se caracteriza como filosofia primeira e as bases para sua edificação são determinadas mediante o desmoronamento do edifício da ontologia. A ética enquanto filosofia primeira não está pautada na metafísica compreendida pelos clássicos, mas acontece dentro de um movimento relacional. E é estabelecida pela relação entre o eu e o outro. Sobre esta relação versa o autor:
A relação com outrem não anula a separação. Não surge no âmbito de uma totalidade e não a instaura integrando nela o Eu e Outro. A conjuntura do frente a frente já não pressupõe a existência de verdades universais, onde a subjetividade possa incorporar-se e que bastaria contemplar para que o Eu e o Outro entrem numa relação de comunhão. (...) A alteridade do Outro, aqui, não resulta da sua identidade, mas constitui-a: o Outro é outrem (Lévinas, 1980, p. 229).
Notamos que esta relação revela a ética da alteridade, que segundo nosso filósofo, esta concepção suscita a ideia de um novo humano e este novo humanismo inaugurado por Lévinas é o humanismo do outro homem manifestado na sua relação com o outro. Podemos aferir que essa ética requer que a comunhão se efetive no que tange o respeito para a alteridade do outro com sua própria identidade.
A relação ética não pode ser entendida como consequência, ela é simplesmente relação concretizada entre o eu e outro, é o outro que se manifesta totalmente Outro. A relação ética é mais do que o nosso pensamento possa pensar e refletir. Isso implica naquilo que o filósofo lituano – francês entende como sendo ética, porque não pode ser dita, mas meramente vivida, experienciada nas relações interpessoais e intersubjetivas. A ética engloba em si o relacionamento social, político, econômico, cultural, étnico e religioso desprovido de interesses ideológicos. Em razão disso, a relação ética não depende de uma ação que exige por si uma consequência, ou efeito posterior, mas ela é unicidade e subjetividade do outro. Quem de fato determina a relação ética nunca é o eu com sua ação. Nesse pensamento, quem determina a relação ética é sempre o outro que se apresenta e se manifesta no rosto que, por si se comunica, já fala, ou seja, já é discurso. A relação ética não é imposição do eu sob o outro, não é manutenção da soberania do eu e nem tão pouco se reduz a atividade da consciência. Sendo assim,
Na relação de um para com o outro, a essência da linguagem ética deve ser a interpolação, o vocativo. Porque o outro não é alguém que eu compreenda, que investigue a parir de um sistema, mas que me interpela e que clama. O outro se dirige até mim, e está desnudo. “A desnudes do rosto que não é o que se oferece a mim para que o desvele, e que, por isso seria oferecido a meus poderes, a meus olhos e a minhas percepções em uma luz exterior até ele”. (...). A relação ética do Mesmo para com o Outro, relação de responsabilidade, não entrará ou não se deixará englobar pelo plano racional ou ontológico. A relação será sempre infinita (Grzibowski, 2010, pp. 82-83).
A ética enquanto filosofia primeira é voltada para o outro que é totalmente alteridade. Quando não há alteridade temos o poder pelo poder, injustiça, domínio, violência, tiranias guerras e mortes. Acerca dessa nossa reflexão o próprio autor diz que:
Filosofia do poder, a ontologia, como filosofia primeira que não põe em questão o Mesmo, é uma filosofia da injustiça. A ontologia heideggeriana que suborna a relação com Outrem à relação com o ser em geral – ainda que se oponha à paixão técnica, saída do esquecimento do ser escondido pelo ente – mantém-se na obediência do anônimo e leva fatal mente a um outro poder, à dominação imperialista, á tirania. (...). A relação ética, oposta á filosofia primeira da identificação da liberdade e do poder, não é contra a verdade, dirige-se ao ser na sua exterioridade absoluta e cumpre a própria intenção que anima e encaminha para a verdade (1980, p. 34).
Tal filosofia é desde o início conduzida para o outro, sendo totalmente alteridade. O outro é absolutamente outro. Na verdade, o que o filósofo francês propõe é resgatar a subjetividade pelo caminho da racionalidade ética. É pela racionalidade ética que se constitui a relação inter-humana pautada em uma matriz que garante a vida e a dignidade para os societários e acolhimento do outro na sua infinitude. Pois, constatamos que é somente por intermédio do outro que nos constituímos humanamente.
Com Kant, Lévinas afirma: A vida humana “significa que o outro não é apenas um objeto, um instrumento, algo que poderíamos nos contentar de utilizar, mas, que também é um sujeito, um fim em si, (...), em outras palavras, alguém que devemos servir (...) ou em todo caso que devemos respeitar. Cabe aqui esclarecer que ética é” tudo o que se faz por desejo ou por amor”, enquanto “a moral responde a pergunta: o que devo fazer? (Oliveira, 2007, pp. 18-19).
Assim, evidenciamos que a ética levinasiana ultrapassa os deveres morais e normativos pautados na lei e no simplesmente cumprimento da sua legalidade na sociedade. Lévinas deixa claro que o mais importante é o outro e valor da vida. A manifestação da ética da alteridade é, sobretudo, a reconstrução do que podemos chamar do sentido ético da subjetividade que se efetiva no acolhimento do rosto do outrem.
E pela abertura para a exterioridade, para a epifania do outro, aonde encontramos a via para o processo de humanização, isto é, para a verdadeira e tenaz relação ética. Sendo assim, o nosso filósofo explicita que o rosto é o modo como o outro se apresenta em sua expressão singular. Eis o que afirma Lévinas:
O modo como o outro se apresenta, ultrapassando a idéia do outro em mim, chamamo-lo, de fato, rosto. Esta maneira não consiste em figurar como tema sob o meu olhar, em expor-se como um conjunto de qualidades que formam imagem. O rosto de outrem destrói em cada instante e ultrapassa a imagem plástica que ele deixa, a idéia à minha medida e a medida do seu ideatum – a idéia adequada.Não se manifesta por essas qualidades mas (...). Exprime-se (1980, pp. 37-38).
Entendemos que a manifestação do rosto enquanto o ato de olhar apresenta uma experiência que revela um rosto que está além da forma. É presença viva, e sua manifestação já constitui um discurso que fala por si só. O rosto é expressão; o Rosto fala. A manifestação do Rosto é já discurso. O rosto comunica, fala por si e para o outro e sua manifestação não tem caráter de dominação. É o rosto entendido enquanto expressão que dá significado a ética da alteridade no pensamento desse autor.
Podemos considerar que a ética levinasiana se dá na relação face–a–face que já é concebida como discurso. No entanto, o rosto é expressão, é também linguagem. Esta relação se apresenta como ética da alteridade da qual emana a ideia do novo humano. Com base nesse argumento, podemos afirmar que a epifania do rosto como relação ética significa que ela é indescritível, concreta e é simplesmente relação e não está atrelada a nenhum apêndice.
Portanto, a proliferação da violência, da injustiça, da desigualdade social gera a morte cruel e agressiva de muitos indivíduos na sociedade, e nesse caso, lhes é negado o princípio vital que é o direito de viver, de ser pessoa, de se fazer humano. Convivemos com os mais variados tipos de genocídios em nossa contemporaneidade e não poucas vezes compactuamos com estes quando não assumimos uma postura ética embasada na teoria, mas, sobretudo na prática.
Lévinas discorre como princípio ético;
No acolhimento do rosto (acolhimento que é já a minha responsabilidade a seu respeito e em que, por conseqüência, ele me aborda a partir de uma dimensão de altura e me domina), instaura-se a igualdade. Ou o outro comanda o mesmo e se lhe revela na responsabilidade; (...). O próprio estatuto humano implica a fraternidade e idéia do gênero humano (1980, p. 192).
O filósofo condena o fato de matar. Ele não está de acordo ao fato de uma pessoa fazer uso da sua liberdade para tirar a vida do outro ser humano, porque em sua concepção, a liberdade precede da responsabilidade e esta só é realmente efetivada no âmbito da possibilidade porque é o outro que estabelece o apelo pela responsabilidade.
Vimos, portanto, que a filosofia ética de Emmanuel Lévinas nos instiga para estabelecermos uma crítica para os mais variados sistemas sociais, políticos econômicos, religiosos e culturais que não reconhece o outro de forma holística. Nossas atitudes não são verdadeiramente éticas quando não pensamos o diferente e não o aceitamos. Temos aí uma sociedade caracterizada pela pluralidade no pensar e no agir que requer que instaremos um diálogo ético capaz de promover a humanização dos societários, pois a ética da alteridade quer gerir uma nova concepção de humanismo. A relação com a alteridade do outro abre caminhos, probabilidades para o entendimento da subjetividade e consequentemente para o entendimento da intersubjetividade. Lévinas define o modo de ser humano como algo além da essência, ou seja, um humanismo do outro homem. O humanismo ético levinasiano é caracterizado pela essa relação do homem com o outro.
Toda ética levinasiana é fundamentada na defesa da vida. É uma ética da responsabilidade em defesa do outro. A ética da alteridade do rosto nos inquieta e não nos deixa indiferentes mediante o grito e o clamor de milhões de famintos e marginalizados e o rosto do outro presente nessas categorias nos interpelam pela nossa solidariedade, responsabilidade social e justiça. A ética do nosso pensador está pautada no cuidado responsável da vida ameaçada e fragilizada pelo sistema capitalista e outros sistemas como a globalização, que desfigura o rosto do outro enquanto manifestação, linguagem e fala.
Ética como responsabilidade
Assumir a postura de responsabilidade pelo outro é um ato próprio da existência e um agir ético. A responsabilidade é o que caracteriza aquilo que podemos denominar de existência subjetiva do sujeito em relação, garantido assim a possibilidade de um discurso ético, acolhedor e aberto ao que tange as necessidades do outro dentro da relação.
A responsabilidade no pensamento desse filósofo em estudo, ultrapassa qualquer ação e intenção. Está fortemente caracterizada e cunhada pela condição da existência subjetiva, isso implica que não há nenhuma necessidade de explicitar de forma discursiva a responsabilidade pelo outro. A responsabilidade, portanto, é exercida mediante uma prática com base na justiça e na igualdade entre todos os societários. Na realidade sabemos que o ser humano converge desenfreadamente e de maneira permanente para uma colossal esfera de individualismo, egoísmo e negação do outro. Negação de sua subjetividade e negação de responsabilidade com o outro.
Afirma-se assim, que o pensamento de Emmanuel Lévinas enfatiza e privilegia a alteridade de modo que a responsabilidade do eu para com o outro se legitime na relação e consequentemente na defesa da vida. Nesse sentido, a responsabilidade deve ser difundida, proliferada em todos os campos da vida pessoal e social do próprio homem. Isso implica toda a realidade na qual este homem está inserido, como também o outro com a sua realidade negada, esquecida e deixada às margens periféricas da sociedade. Somos responsáveis não só por este outro, mas também pelo próximo. Evidenciamos assim que o sujeito não é somente um ser para si, ele é um ser para todos. Um ser que se inscreve no próprio rosto e constitui sua própria alteridade (Lévinas, 2005).
O que podemos entender por respeito na relação homem a homem? Respeitar não significa sujeitar-se, reduzir-se, subjulgar-se, subordinar-se, humilhar-se, menosprezar-se diante da lei, diante daquele que só ordena subtraindo assim toda e qualquer possibilidade de efetivar na relação o ato de respeitar. Essa compreensão de respeito não implica em justiça, pelo contrário, aniquila o outro e o instrumentaliza na relação. Temos uma relação mando – obediência sem olhar a condição daquele que é comandado ou ordenado. Mas o que de fato seria o respeito? “O respeito é uma relação entre iguais”, não iguais em raça, condição social, política, religiosa e cultural, mas iguais enquanto pessoa, ou seja, enquanto ser humano. “A justiça supõe esta igualdade original” (Lévinas, 2005, p. 62). A condição de respeito e justiça pelo outro consiste em sermos mais responsáveis e comprometidos coma vida ferida, espoliada pelos sistemas fechados em si que não têm como imperativos o respeito e a justiça.
A responsabilidade para com o outro é abordada como categoria fundamental pelo filósofo, tendo em vista a alteridade que coloca o outro como ápice na relação. Assim, constatamos que a relação ética se constitui como religião do outro, fundamentada na responsabilidade originária do mesmo pelo outro. Esse outro está no mundo e “se exprime e se impõe, mais precisamente apelando para mim da miséria, e da sua nudez – da sua fome – sem que eu possa ser surdo ao seu apelo” (Lévinas, 1980, p. 179). A ordem primordial neste sentido é o da responsabilidade pela vida do outro que é anulada pelos sistemas fechados em si mesmo, e que não o vê como indivíduo em sua singularidade, em seu modo de ser e agir no mundo. Perante a dor, a fome, os conflitos bélicos, religiosos, econômicos e de migração, a responsabilidade urge no ímpeto humano como forma radical de compromisso ético, ultrapassando as vias da razão. O plano ético está além do pensar e do discurso.
Evidenciamos que a responsabilidade pelo outro é o alicerce fundante do estatuto de uma ética que é conduzida pelo desejo do infinito, pelo Bem além do ser. A responsabilidade é entendida como mandamento não essencial, pois o que fundamenta a responsabilidade em si é o rosto do outro como norma fundamental.
O filosofo francês (2005) parece não priorizar na relação ética como responsabilidade a condição social, étnica, religiosa do outro que manifesta. A responsabilidade não está pautada naquilo que o outro representa ou é de fato na sociedade. Ela está desvinculada de toda forma de interesses particulares. A igualdade é uma ideia abstrata, é uma palavra, mas que se dá na relação do outro, surgindo assim um chamado a responsabilidade por ele. A igualdade se dá no momento da relação e não pode se separar do acolhimento do rosto.
Olhar o outro como alguém por quem não somos responsáveis, estabeleceu por via da razão e sabedoria do hemisfério ocidental as guerras e os holocaustos que sacrificaram inúmeras pessoas e culturas, gerando dor, morte e destruição. Negou-se aqui, portanto, o amor pelo próximo, termo que Lévinas emprega para explicitar a responsabilidade devotada para o próximo. Amor que está além do Eros, da caridade, é amor incondicional, sem interesses.
É a partir do rosto do outro que me reclama e me convida a responsabilidade, é nesta convocatória mesma, que se passa ‘uma glória’, ao além do ser que não é feita de conhecimento, mas uma abertura da heteronomia de um imperativo. (...). O eu volta ao objeto da ética, o qual me ordena a agir tanto que sujeito responsável pelo outro. Desse modo, a filosofia da ética será uma filosofia que instaura a responsabilidade para com o outro, uma filosofia de paz que jamais irá acirrar e promover a violência. (...). A nudez do rosto comanda o respeito e resiste à violência e o aniquilamento (Grzibowski, 2010, pp. 86-87).
Portanto, a responsabilidade nos faz pensar o outro a partir do momento que o outro está nu, desprotegido, despido de seus direitos, do sentido da vida em razão do sofrimento, da miséria, e de não ser considerado pessoa, ser visto apenas como um contingente negado ao longo da história. “Sofrer pelo outro é ser responsável por ele, suportá-lo, estar em seu lugar, consumir-se por ele” (Lévinas, 1993, p. 101).
A responsabilidade foi eticamente anulada pela ação do próprio homem. Quem promove a violência, quem ameaça o outro e quem fere a sua vida, este por sua vez não tem rosto porque não é capaz de sentir, de olhar o rosto que clama por justiça, paz e fraternidade Mesmo assim, somos convocados pela categoria assimétrica a ver o rosto daquele que por suas ações maléficas não tem rosto. Somos também responsáveis por outrem mesmo quando nos fazem mal, quando nos ameaçam e nos perseguem ou até mesmo violam o mais profundo do nosso ser. A responsabilidade ética defendida por Lévinas não diz respeito somente a uma etnia, uma cultura, uma profissão religiosa, a uma porção da população, mas ela deve ser entendida como uma responsabilidade ética universal, ela é destinada a todos os povos, credos e grupos étnicos.
A minha responsabilidade não é limitada pela responsabilidade do outro; somos todos implicados, somos todos culpáveis, todos responsáveis. A tomada sobre si do destino do outro é o elo de ligação da coexistência entre o eu – outro – terceiro e o outro, para quem sou próximo e o terceiro. Na realidade sou responsável por outrem mesmo quando pratica crimes, mesmo quando outros homens cometem crimes. Isto é para mim o essencial da consciência judaica. Mas penso, também, que é o essencial da consciência humana: todos os homens são responsáveis uns pelos outros, ‘eu mais do que todo mundo’. Uma das coisas mais importantes para mim é assimetria e esta fórmula: todos os homens são responsáveis uns pelos outros, e eu mais do que todo mundo (Melo, 2003, p. 257).
Podemos considerar que o filósofo em estudo rompe, mediante o seu pensamento, com toda uma tradição filosófica, inaugurando de forma contundente e sistematizada uma filosofia que pensa o humano, que pensa o outro, que o olha frente a frente estabelecendo uma relação pautada em um estatuto ético e responsável, instaura-se um novo humanismo sob a ética como responsabilidade.
No livro Humanismo do Outro homem Lévinas enfatiza que a responsabilidade não é servidão pelo outro, pois a subjetividade está além do determinismo-servidão. Neste caso o caráter servil fica anulado pelo bem que comanda a responsabilidade.
A responsabilidade indeclinável e, contudo jamais assumida em toda liberdade – é bem. A investidura pelo bem, a passividade do ‘sofrer o bem’, (...) É a partir de uma passividade radical da subjetividade que foi alcançada a noção de ‘uma responsabilidade ultrapassando a liberdade’ (conquanto só a liberdade deveria poder limitar as responsabilidades), (...). A impossibilidade da escolha não é aqui o efeito da violência – fatalidade ou determinismo – mas da eleição irrecusável pelo bem que não é precisamente ação, mas a não – violência mesma. Eleição, quer dizer, investidura do não intercambiável. (...) È a responsabilidade ultrapassando a liberdade, quer dizer, a responsabilidade pelos outros. (...). É pelo Bem que a obrigação à responsabilidade irrevogável, irreversível e irrecusável – mas que não remonta a uma escolha – não a violência que contrariaria uma escolha, mas situa uma ‘interioridade’ que precede a liberdade e não-liberdade (...); é obediência a um valor único sem antivalor, (...) o sujeito é eleito guardando o vestígio da eleição (1993, pp. 83-85).
Se faz importante ressaltar que a responsabilidade é um processo e uma tendência. Sendo assim, a concepção filosófica levinasiana aprova a probabilidade do sujeito ser transformado pelo caráter da responsabilidade, tornando-o mais humano e comprometido com a vida do outro. Esse pensamento da ética como responsabilidade, não admite a existência de pensamentos ideológicos de cunho autoritário e totalizador que são refletidos nas macros estruturas sociais e nem comunga da ideia de adequar as pessoas a sistemas mantenedores de poderes opressores e excludentes. “A responsabilidade é uma obsessão do eu pelo outro” (Melo, 2003, p. 213).
No livro De Deus que vem a ideia, o filósofo apresenta-nos, em conformidade com o seu pensamento, a seguinte definição para a categoria responsabilidade:
Responsabilidade por outrem, pelo primeiro que vem na nudez de seu rosto. Responsabilidade para além do que posso ter cometido ou não em relação a outrem, e para além de tudo que poderá ou não ter sido meu fato, como se fosse votado ao outro antes de ser votado a mim mesmo. (...). Responsabilidade sem culpabilidade na qual, entretanto, sou exposto a uma acusação que o álibi e a não-contemporaneidade não poderiam apagar e como se a eles a instaurassem. Responsabilidade anterior a minha liberdade, anterior a todo começo em mim, anterior a todo presente. A responsabilidade pelo próximo é anterior a minha liberdade, vem de um passado imemorial, não representável (...) mais ‘antigo’ que toda a consciência. A responsabilidade não é aqui uma fria exigência jurídica. É toda a gravidade de amor do próximo – do amor sem concupiscência – na qual se apóia a significação congênita dessa palavra gasta e que todas as formas literárias de sua sublimação ou de sua profanação pressupõem. Responsabilidade que não é privação do saber, da compreensão, apreensão e da posse, mas proximidade ética, em sua irredutibilidade ao saber, na sociabilidade (2002, pp. 217-219).
Notamos que o agir eticamente e com responsabilidade é garantia de vida e dignidade para o outro. A ética não pode ser pensada como telos, pois este aspecto não é considerado como característica relevante. A ética como responsabilidade é para ser explicitada, manifestada na relação com o outro sem a necessidade de querer dizê-la, defini-la ou predicá-la. Dessa maneira, compreendemos que a ética como responsabilidade não necessita de formalidades e sim de ação concreta na vida. Assumir a atitude de responsabilidade é um ato de fundamental relevância para fundamentar a existência e o agir ético. A responsabilidade em conformidade com o pensamento do referido autor, ultrapassa qualquer ação e intencionalidade.
A responsabilidade pelo outro é efetivada antes mesmo de ser pensada, antes mesmo de ser consciência do sujeito. Isso implica que a responsabilidade é pautada pelo aspecto ético e contém em si mesmo um cunho de transcendência que comunica a promoção e defesa da vida do outro nas mais profícuas dimensões do existir. “A responsabilidade pelo outrem significada como ordem no rosto do próximo” (Lévinas, 2005, p. 220), que nos conclama a assumi-lo até as últimas consequências. Para respaldar esta nossa reflexão, Susin comenta que:
Minha responsabilidade por sua vida e por sua morte exige meu sacrifício, abrindo mão de meu ser e das minhas defesas contra a minha morte, sem reclamar por algum pretenso direito. Mesmo os direitos estabelecidos por uma estrutura política ou social, ou até psicológica ou instintiva, os ‘direitos naturais’ se desfazem no contato com as urgências do outro. O direito de viver se torna ilegítimo diante da fome do outro (1984, p. 408).
Aqui evidenciamos que o colossal postulado levinasiano tem seu cerne na defesa da vida e que a responsabilidade como relação ética legitima essa sua adesão ao outro que tem seus direitos garantidos antes mesmo dos nossos. Os direitos do outro estão antes da nossa condição de liberdade. A responsabilidade não estabelece limites quando o outro urge diante de nós suplicando nossa doação e oblação no intuito de promover seu direito mais nobre: a vida. Esta vida que não pode ser violada, ferida e espoliada pelos sistemas herméticos.
A modo de conclusão
Finalizando esse estudo, é fundamental debruçarmos nosso olhar para nossa realidade vigente e perceber que ainda em nossa contemporaneidade existem fundamentalismos, guerras, conflitos étnicos, religiosos, políticos e econômicos que só objetivam atender os interesses particulares, a coletividade não é contemplada neste arsenal. Assim, a responsabilidade ética é negada porque o outro não é valorizado. Uma gama de rostos é assassinada, violentados pela indústria da guerra, pela ambição do poder enquanto poder. O que conta não são as pessoas, mas o monopólio do poder legitimado por uma racionalidade puramente instrumental que não é capaz de olhar o outro em sua miséria, fome, dor e sofrimento.
O outro nesta sociedade não tem engajamento, envolvimento, não tem voz e nem vez. Seu rosto e seu olhar são negados, é fechado seu brilho, é ofuscado pela força repressora dos sistemas societários. Estas ações para com o outro se configuram em violências que tendem a assassinar a vida do outro. O assassinato revela com toda tenacidade e crueldade a condição de possibilidade da vida sem o horizonte e sem a perspectiva ética. “O rosto onde se apresenta o outro–absolutamente outro – não nega o Mesmo, não o violenta com a opinião ou a autoridade” (Lévinas, 1980, p. 181). Como podemos responder a esta instigante e agressiva realidade que anula a efetivação e a manifestação do outro?
A essa pergunta o próprio autor oferece-nos a resposta, comenta:
O que chamo de responsabilidade por outrem, ou amor sem concupiscência, o eu só pode encontrar sua exigência em si próprio; ela está no seu “eis-me aqui” do eu, em sua unicidade não intercambiável de eleito. Ela é originalmente sem reciprocidade, pois traria o risco de comprometer sua gratuidade ou graça, ou caridade incondicional. Mas a ordem da justiça dos indivíduos responsáveis uns pelos outros surge não para restabelecer esta reciprocidade entre o eu e seu outro, mas por causa do terceiro que, ao lado deste que me é um outro, me é “também um outro” (Lévinas, 2005, p. 293).
A responsabilidade como ética é arraigada pelo crivo da unicidade, interioridade ou subjetividade. Isso implica que o agir eticamente responsável e pessoal parte primordialmente do eu para com o outro sem exigência recompensatória. Lévinas é enfático ao dizer que “a relação com o terceiro é uma incessante correção da assimetria da proximidade onde o rosto se des-figura” (Melo, 2003, p. 146).
Depois da Primeira e Segunda Guerra Mundial e incluso do holocausto, é possível falar em ética? É possível pensar uma ética como responsabilidade levando em conta uma sociedade globalizada e pluralista? O mundo apresenta-se como antiético.
Temos uma economia e cultura globalizada e uma quantidade avassaladora de pessoas no mundo passando fome, outras promovem guerras para a manutenção do poder pelo poder e disseminam uma cultura da morte e negação do outro em sua autenticidade. Por esse motivo o filósofo lituano – francês faz uma denúncia a filosofia ocidental afirmando que a razão foi considerada um instrumental responsável pelos genocídios e sistemas totalitários. A filosofia ocidental é uma filosofia do interesse, pois a mesma sempre parte dos interesses particulares. Esta filosofia jamais pode falar de paz porque é uma filosofia do monopólio e do poder. Os pactos de paz na sociedade contemporânea estão pautados em interesses particulares e altamente egoístas.
A responsabilidade levinasiana é desprovida do poder e do jogo de interesses. A ética da alteridade é uma responsabilidade pelo outro sem rotulá-lo, sem discriminá-lo. Ser responsável pelo outro significa dizer que somos ordenados pelo rosto a cuidar, a proteger, a defender a vida do outro. Nós somos guarda do outro. Somos também responsáveis pela morte, pelo assassinato e pela violência do outro.
A responsabilidade é uma incumbência à promoção de um novo humanismo, o qual não tem como ser recusado pois o outro é parte fundamental nessa construção e promoção. Diante de um mundo antiético, a proposta levinasiana emana como tentativa de responder aos desafios da contemporaneidade que está ainda pautada na cultura ontológica do ser da filosofia ocidental.
Constatamos, portanto, que tal filosofia não é uma filosofia da alteridade, mas é uma filosofia voltada para si mesma, que fala de si mesma e para si mesma. É totalmente ontologia. A filosofia ocidental como ontologia, segundo Lévinas, é violenta, produz guerra e ostenta o poder. “A razão que fala na primeira pessoa não se dirige ao outro, mantém um monólogo”, (Lévinas, 1980, p. 59), ou seja, é hermética, solipsista, não tem abertura para o outro e não tem como gerar responsabilidade e ser responsável pelo outro, não há ralação e, consequentemente, não existe alteridade. Portanto, em consonância com o pensamento levinasiano a ética é uma responsabilidade infinita e ilimitada.
Um mundo melhor não pode nascer da morte e do genocídio do outro. Isso é crime, é violência brutal, é assassinato. A razão e a lucidez humana não podem permitir a morte, a chacina do outro. Essa barbárie se efetiva mediante o poder e a ideologia do sistema capitalista e outros sistemas que reduzem o outro a coisa, a objetos descartáveis e consequentemente gerando egoísmo. Nesta perspectiva, o outro dentro do sistema capitalista perde sua liberdade, ele não tem direito de escolha, é o próprio sistema que faz as suas próprias escolhas e, sobretudo dita às regras do jogo.
Na atualidade acontecem muitas barbáries e muitos genocídios quando não somos capazes de respeitar o diferente, quando queremos que prevaleçam nas relações sociais as nossas opiniões, as nossas decisões e ainda quando nos colocamos como donos da verdade. Nesse sentido, qual o espaço para o outro? O outro também fala, comunica, tem ideia, tem verdade. Rompemos com a alteridade quando não permitimos esta relação do outro com o eu. A partir daí tem-se a gênese dos conflitos e do imperialismo do eu sob o outro.
A ética levinasiana não é pensada, não é descritível ela é simplesmente um agir, uma ação responsável para com o outro que se manifesta a mim e diz “eis-me aqui”, isso significa que o rosto está exposto à violência e a vulnerabilidade e que eu sou responsável por este rosto. No ato de ser responsável para com o outro, percebemos que é possível uma ética do cuidado no sentido de fazer com que o outro seja protagonista da sua própria história e identidade. Que este outro tenha espaço nas relações sociais, políticas, econômicas, religiosas e étnicas sem a pretensão do poder pelo poder, mas um poder feito serviço e valorização da pessoa humana em todas as dimensões da vida. O cuidado ético não visa atender interesses particulares e egoístas, mas está em função de promover a vida.
Por fim, assumir a postura da responsabilidade e cuidado pelo outro é um ato próprio da existência, é um agir altamente ético. A responsabilidade é o que caracteriza o que podemos nomear de existência subjetiva do sujeito em relação com o outro, garantido assim a possibilidade de um discurso ético, acolhedor e aberto ao diferente, sobretudo no que tange as necessidades do outro dentro desta relação. E isso é feito dentro da liberdade, que para Lévinas, é a responsabilidade ética.
Conflito de interesses
O autor declarar a ausência de um conflito de interesse com qualquer instituição comercial ou associação de qualquer tipo.
Referências
Dussel, E. (1995). Filosofia da Libertação: crítica à ideologia de libertação. São Paulo: Paulus, (Coleção Pesquisa e Projetos).
Grzibowski, S. (2010). Transcendência e Ética. Um estudo a partir de Emmanuel Lévinas. São Leopoldo: Oikos.
Lévinas, E. (1980). Totalidade e Infinito. Lisboa: Edições 70.
Lévinas, E. (1993). Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes.
Lévinas, E. (2002). De Deus que vem a ideia. Petrópolis: Vozes.
Lévinas, E. (2005). Entre nós. Ensaios sobre a alteridade. 2 ed. Petrópolis: Vozes.
Melo, N. V. (2003). A ética da alteridade em Emmanuel Lévinas. Porto Alegre: EDIPUCRS.
Oliveira, E. T. (2007). Centenário do Nascimento de Emmanuel Lévinas: Ética da alteridade e o sentido do humano em Lévinas. Tabulae Revista de Filosofia. Curitiba: Vicentina.
Susin, L. C. (1984). O homem messiânico. Uma introdução ao pensamento de Emmanuel Lévinas. Porto Alegre: Vozes.
Notas de autor
Andrei Zanon, c.s
Mestrado em Teologia pela Pontifícia Universidade Javeriana, Bogotá (Colômbia). Participa no Grupo de Pesquisa; Processos Midiáticos–Comunicação, Mídia e Sociedade, Universidade do Oeste de Santa Catarina, Joaçaba (Brasil). ORCID: 0000-0002-3655-7877. Correio Eletrônico: azanon@javeriana.edu.co